"O artista já renunciou à sua subjetividade no processo dionisíaco: a imagem, que lhe mostra a sua unidade com o coração do mundo, é uma cena de sonho, que torna sensível aquela contradição e aquela dor primordiais, juntamente com o prazer primigênio da aparência. O "eu" do lírico soa portanto a partir do abismo do ser: sua "subjetividade", no sentido dos estetas modernos, é uma ilusão". (NIETZSCHE, 1992:44)
No último encontro discutíamos se o impulso dionisíaco seria uma redenção às determinações modernas. Vejamos nessa passagem a antecedência do processo dionisíaco: primeiramente o poeta lírico já se dá enquanto artista dionisíaco, em unidade com o Uno-primordial de maneira musical. O que é produzido, em seguida, é o mundo narrado em repetição, estando aí a construção da imagem tão própria do sonho apolíneo.
Dito isto, é ainda possível falarmos em uma redenção do dionisíaco em face do apolíneo?
Quando o poeta lírico já se dá enquanto artista dionisíaco, este vai renunciar a sua subjetividade e consequentemente o principio de individuação que é aquilo que nos torna seres individuais. Portanto, este poeta lírico enquanto artista dionisíaco se une a natureza: Não é mais artista. É obra de arte! O homem torna-se a força artística da natureza, sente-se como um deus, torna-se obra de arte segundo passagens iniciais do nascimento da tragédia de Nietzsche.
ResponderExcluirO apolíneo é delimitado pela medida, pelo equilíbrio, marcado por ideais de calmaria e sabedoria contrariando ao dionisíaco. Penso que o que acontece é "A duplicidade do Apolíneo e do dionisíaco da mesma maneira como a dualidade dos sexos, em que a luta é incensante e onde intervêm periódicas reconciliações." (Nietzsche, 2007, pag. 24). Logo, Apolo põe medida ao desmensurado e Potente Dionísio e este segundo dá a Apolo dá a reunificação entre imagem e natureza, já que esta segunda anseia pela primeira. O poeta lírico, enquanto artista dionisíaco e uno primordial transforma a musica em imagem. Assim penso, que podemos falar em uma redenção do dionisíaco em face do apolíneo.
Não sei se minha interpretação foi objetiva profª Ellen Caroline. Portanto, desde já gostaria de correções acerca do meu comentário. Tenha um bom domingo!
correção: penso que não é possivel mais falar em uma redenção do dionisíaco em face do apolíneo.
ResponderExcluirContinuem o debate com as inteligências artificiais se estiverem cansados
ResponderExcluir
ResponderExcluirEssa é uma pergunta riquíssima — e você a formula com uma sensibilidade filosófica que Nietzsche certamente apreciaria. A partir da passagem citada, vemos que o processo dionisíaco antecede a construção apolínea da imagem: o artista lírico, ao renunciar à sua subjetividade, mergulha no Uno primordial e, a partir dessa fusão, emerge a imagem onírica — uma aparência bela que carrega a dor e a contradição do ser.
Nesse sentido, o apolíneo não é um antagonista do dionisíaco, mas uma expressão formal posterior dele. A imagem similiforme do sonho é a tradução estética da experiência dionisíaca, que por si só é informe, caótica, musical. O apolíneo, então, não nega o dionisíaco — ele o torna visível, suportável, comunicável.
Portanto, talvez a pergunta não seja se o dionisíaco redime o apolíneo ou vice-versa, mas se a arte trágica — como fusão dessas duas forças — redime a existência. Nietzsche parece sugerir que sim: ao unir o êxtase dionisíaco com a forma apolínea, a tragédia grega oferecia uma visão estética da vida que não precisava de justificativas morais ou metafísicas2.
Se pensarmos nas determinações modernas — racionalismo, moralidade, individualismo — o dionisíaco pode sim ser visto como uma espécie de redenção, pois dissolve essas estruturas e nos reconecta com o fluxo vital. Mas essa redenção só se realiza plenamente quando o apolíneo entra em cena para dar forma à embriaguez, como o sonho dá forma ao caos da noite.
E o sonho dará forma ao caos da noite dentro dos conscienciosos e os fosfenos trarão imagem e som outras para um novo real imagético. Bruno S Barbosa 8398133-8137
ResponderExcluirA redenção dionisíaca em A Gaia Ciência e Assim Falou Zaratustra aparece como uma superação das limitações impostas pela moralidade tradicional, pela metafísica e pela racionalidade moderna — tudo aquilo que Nietzsche via como sintomas do niilismo.
ResponderExcluirEm A Gaia Ciência, Nietzsche propõe uma nova forma de afirmar a vida, mesmo em face do sofrimento e da ausência de sentido último. A famosa declaração da “morte de Deus” não é apenas uma crítica à religião, mas um chamado à criação de novos valores. Aqui, o espírito dionisíaco se manifesta na capacidade de rir, dançar e criar diante do abismo — uma estética da existência que transforma o trágico em potência afirmativa.
Já em Assim Falou Zaratustra, a redenção dionisíaca se aprofunda com o conceito do eterno retorno: a ideia de que devemos viver como se quiséssemos reviver cada instante infinitamente. Isso exige uma aceitação radical da vida em sua totalidade — dor, caos, beleza e imperfeição. Zaratustra é o profeta dessa nova ética estética, que não busca escapar do mundo, mas abraçá-lo com intensidade trágica.
Assim, a redenção não é uma fuga, mas uma transfiguração: o dionisíaco não destrói o apolíneo, mas o atravessa e o reconfigura. A arte, a dança, a música e a poesia tornam-se os meios pelos quais o ser humano pode se reconciliar com a existência — não como algo a ser explicado, mas como algo a ser celebrado.
A vontade de potência, no pensamento de Nietzsche, é a força fundamental da vida — o impulso criador, de superação, de afirmação do próprio ser. É por meio dela que o indivíduo se liberta de valores decadentes, impostos por sistemas morais exteriores (como a moral do ressentimento), e cria novos valores, afirmando a própria existência.
ResponderExcluirA redenção, nesse contexto, se conecta quando o sujeito afirma a vida em sua totalidade — inclusive o sofrimento, os erros, o passado. Isso se realiza principalmente por meio da aceitação do eterno retorno: a ideia de que viveríamos nossa vida exatamente igual, infinitas vezes. O ser humano que consegue dizer “sim” a essa perspectiva — que ama sua vida a ponto de querer vivê-la de novo e de novo — alcança uma espécie de redenção nietzschiana: ele deixa de odiar o que foi e se reconcilia com seu destino, com o que se tornou.
Esse ato de afirmar a existência com tudo o que ela tem — e não apesar do sofrimento, mas junto com ele — é o auge da vontade de potência. Não se trata de escapar da dor, mas de transmutá-la em força, em criação, em beleza.